Incorporação, fusões e aquisições de seguradoras e resseguradoras

Modelos atuariais para tomada de decisão estratégica Javier Campelo, Catalina Meillard, Nina Perotti

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O profissional atuário tem um papel fundamental na tomada estratégica de decisões por parte dos acionistas de diferentes empresas do setor privado, no setor de seguros, resseguros e serviços financeiros, além de outras indústrias que são os motores das economias de países da América Latina.

As organizações atuárias existentes na região e a profissão como um todo podem contribuir muito com a tomada de decisões relacionadas às políticas públicas adotadas pelos países dali.

Este artigo apresentará um caso de aplicação prática de modelos atuários desenvolvidos para fornecer ferramentas de tomada estratégica de decisões para acionistas de empresas em diferentes indústrias do setor privado ou para aqueles com funções executivas no setor público.

Constituições, fusões e aquisições de seguradoras e resseguradoras

Descrição de regulamentações na América Latina

As seguradoras e resseguradoras que operam em países da América Latina devem cumprir certas exigências. Sempre que elas forem constituídas, passarem por fusões ou forem adquiridas, os Órgãos Regulatórios exigem que lhes sejam enviadas certas informações, incluindo uma indicação de tipo de empresa, que deve ser consistente com as leis e regulações vigentes sobre o assunto. Em alguns países, como o Chile, certas exigências são estabelecidas com relação à contratação de agências de classificação de crédito e as classificações de crédito mínimas que as seguradoras devem manter para que possam trabalhar.

Outras exigências comuns incluem o envio de informações sobre a empresa, incluindo seu nome; sua sede efetiva e social; seu Estatuto Social e regulamento da empresa; uma descrição do prédio ou instalações, indicando se foram comprados, alugados ou construídos; declaração inicial de situação financeira; estado do capital mínimo de ações; planos de seguro e elementos técnico-contratuais por meio dos quais a empresa funcionará; lista de acionistas, capital a ser contribuído e porcentagem de titularidade de ações; estrutura organizacional e o pessoal com o que ela funcionará; despesas estimadas de organização, constituição e instalação; apólices de resseguro; governança empresarial etc.

Uma exigência que todos os países da região têm em comum é a de certificar um valor mínimo de capital, que varia de acordo com o país e as características específicas da empresa em termos de ramos e planos de seguros que ela pretende comercializar e o tamanho de sua operação, entre outros. Por exemplo, na Argentina, entidades seguradoras devem certificar um capital mínimo atendendo ao parâmetro mais alto entre os seguintes: a) 16% de Prêmios e Sobretaxas; b) 23% de Indenizações; c) Valor Mínimo por Ramo, em pesos argentinos (atualizado para manter o valor da moeda constante). Alguns países, como o Brasil, têm organizações mais desenvolvidas em termos de definição de capital com base em risco (do tipo Solvência 2). No Brasil, o capital mínimo exigido para funcionamento como seguradora é o valor mais alto entre capital base e capital de risco, calculado de acordo com uma fórmula. No entanto, na maioria dos países da América Latina, as exigências mínimas de capital são estabelecidas com base em critérios semelhantes aos da Argentina (do tipo Solvência 1). 

Regulamentações para o envio de um plano de negócios

Na maioria dos países da América Latina, os Órgãos Regulatórios exigem que as seguradoras enviem um plano financeiro e de negócios, o qual deve incluir prognósticos para um número determinado de anos (geralmente três). Eles também exigem que o plano inclua um relatório emitido por um atuário e um auditor. Ambos devem ser independentes da entidade e ter registro no Órgão Regulatório. O principal objetivo da apresentação é demonstrar a viabilidade da empresa de acordo com os critérios do Órgão Regulatório.

Em alguns casos, há instruções básicas sobre como preparar os planos financeiros e de negócios e também especificamente para os prognósticos de declarações de situação financeira, declarações de lucros e perdas e declarações de evolução de mercado.

Modelo determinístico: decisões baseadas em valores esperados

Na estrutura de uma constituição, aquisição ou fusão, ou de qualquer outra situação que exige uma avaliação dos negócios futuros de uma empresa de seguros, um prognóstico dos resultados esperados deve ser enviado. Isto significa o prognóstico da folha de balanço, demonstração de lucros e perdas, fluxo de caixa e resultados técnicos. Os itens a serem incluídos no prognóstico abrangem tanto os aspectos relacionados a atividades específicas de seguro cuja natureza é exclusivamente atuarial (como prêmios, reservas, indenizações e resseguro), elementos comerciais específicos do setor de seguros (apólices, investimentos etc.) e elementos gerais da atividade empresarial em geral (despesas e taxas).

No prognóstico, alguns itens têm valores fixos conhecidos (como aluguel, salários, depreciação, empréstimos ou investimentos de renda fixa), enquanto outros têm valores aleatórios. Alguns dos itens também podem ser interdependentes. Por exemplo, eventos de indenização dependem da quantidade de exposição a risco, que por sua vez depende de suposições sobre a produtividade da área comercial e de sua capacidade de atrair clientes. Consequentemente, a abordagem escolhida para avaliar os itens com resultados aleatórios é de grande importância.

Apesar de tudo que foi dito acima, as regulamentações estabelecidas pelos vários Órgãos Regulatórios da região exigem que as seguradoras ou resseguradoras desenvolvam planos de negócios utilizando uma abordagem determinística. Ela consiste na avaliação dos itens com base no valor esperado deles. Uma opinião sobre um prognóstico realizado com base nessa abordagem exige que os valores possíveis de variáveis e suas respectivas probabilidades sejam calculados. Por exemplo, é possível determinar o número de eventos de indenização em um ano e a quantidade de indenizações associadas a serem pagas com base na idade e probabilidade de óbito do segurado, conforme indicado em uma tábua de mortalidade e na informação de portfólio da empresa (real ou esperada/suposta).

A abordagem determinística exigida pelos diversos Órgãos Regulatórios da América Latina, conforme discutido acima, é de fácil implementação e explicação e oferece, em média, resultados exatos para o item calculado.  Apesar dos benefícios dessa abordagem, também é preciso salientar suas limitações estatísticas, pois ela lida somente com um valor esperado “médio”.  Dito de outra forma, esse modelo não explica de maneira adequada a probabilidade de obter um valor que é maior ou menor do que uma quantidade dada.

Essa é uma limitação importante em termos de gerenciamento de risco, mas também para a agência regulatória, que deve principalmente proteger os interesses da parte mais fraca do contrato entre as partes – que, no momento de aceitar uma apólice de seguros, são os segurados e os beneficiários. Por essa razão, acreditamos que os Órgãos Regulatórios da América Latina devem exigir que as seguradoras ou resseguradoras enviem um plano de negócios com uma abordagem estocástica que ajude a determinar como o funcionamento da seguradora ou resseguradora recentemente constituída seria afetado for desvios nas diferentes variáveis aleatórias que estão sendo estimadas. Para tal, sugere-se que sejam utilizadas técnicas atuariais para o modelo estocástico desses planos de negócios, tais como o Modelos de risco dinâmico, que incorpora o uso de “simulações” e o uso de modelos de linguagens de programação adequados.

Avaliação do modelo estocástico da probabilidade de desvio dos valores esperados e suas implicações

Com base no explicado anteriormente e nas limitações já mencionadas da abordagem determinística para a preparação de prognósticos econômicos e financeiros, sugerimos o desenvolvimento de uma abordagem estocástica. Ela deve ser exigida pelos Órgãos Regulatórios da América Latina de seguradoras ou resseguradoras para a apresentação de seus planos de negócios.

Dado que muitos desses itens são resultado das operações de diversas variáveis aleatórias, realizar a convolução para obter um resultado exato em forma algébrica pode ser um desafio. Portanto, o principal mecanismo para a realização de avaliações seguindo essa abordagem é a simulação. Para cada cenário “x”, cada variável é simulada para calcular um resultado para o período. Esse processo será repetido “x” vezes, o que significa que “x” resultados diferentes serão encontrados e formarão uma distribuição de probabilidade dos resultados. Essa prática demanda muito em termos computacionais, mas é relativamente fácil de implementar.

Conceitualmente, essa abordagem pode ser aplicada para determinar taxas de seguro. Porém, mesmo quando o prognóstico é realizado utilizando a metodologia determinística proposta pelo órgão regulatório (como no caso de seguros de vida na maioria dos países latino-americanos), os resultados utilizados pela empresa devem logicamente supor que o comportamento de taxas de mortalidade, sua frequência ou intensidade não precisam seguir o valor antecipado. A variável mais importante de uma perspectiva técnica é a taxa de indenizações (quem morrerá, sob quais apólices e por qual valor), que é também aquela sobre a qual a empresa tem mais informações. No entanto, é possível determinar uma distribuição de probabilidade para um item não fixado que tenha um comportamento conhecido ou que possa ser suposto.

Por fim, a mesma metodologia, quando aplicada individualmente para cada variável, pode ajudar na compreensão do efeito marginal que cada uma delas têm sobre o resultado, o que também é uma ferramenta válida para avaliar as áreas que exigem mais atenção. Por exemplo, o ponto inicial pode ser o cenário determinístico. Daí seria aplicada uma abordagem de simulação para diferentes cenários de taxa de juros, cujas probabilidades podem ser designadas por um modelo com o objetivo de entender o resultado como uma função do comportamento desse fator.

Essa abordagem é altamente versátil em termos de aplicação, pois permite que seja feita uma melhor quantificação dos riscos. No caso de uma start-up, ela permite que se forneça uma estimativa, não dos resultados esperados dos primeiros anos, mas de sua probabilidade de sucesso (de não ir à falência, de alcançar um resultado que seja positivo o suficiente para continuar seus planos de expansão etc.), permitindo uma revisão do plano de negócios (ajustando os gastos ou estrutura comercial). Com isso, os reguladores evitariam dificuldades durante a autorização de uma empresa que não é muito sólida. Em uma fusão ou aquisição, essa abordagem permite que a análise seja complementada com outros mecanismos de avaliação.

Javier Campelo é formado em Economia (Cum Laude) e Ciências Atuariais pela Universidade de Buenos Aires e concluiu seus estudos de pós-graduação nos Estados Unidos. É um dos poucos atuários do continente que também é Associado da Sociedade de Atuários dos Estados Unidos. Ele tem uma extensa carreira na indústria financeira e de seguros, a qual combinou com sua experiência profissional nos Estados Unidos, Europa e América Latina, ocupando cargos de Gestão Técnica em resseguradoras de destaque. Javier é o fundador da Re Consulting, uma empresa de consultoria atuarial que presta serviços a clientes nos setores financeiro e de seguros em toda a América Latina.
Catalina Meillard é graduada em Ciências Atuariais com foco em Economia na Universidade de Buenos Aires, conta com quatro anos de experiência no ramo. Atuou em empresas de consultoria de destaque e seguradoras multinacionais. Atualmente trabalha como consultora atuarial sênior na Deloitte.
Nina Perotti aluna avançada do curso de Ciências Atuarias com foco em Economia na Universidade de Buenos Aires. Atualmente trabalha na Re Consulting, prestando serviços de criação de empresas e na avaliação de fundos de pensão para diversas empresas na Argentina e na região.

As declarações de fato e opiniões aqui expressas são as dos autores individuais e não necessariamente representam as da Sociedade de Atuários ou dos empregadores dos respectivos autores.

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